segunda-feira, 28 de abril de 2014


Tome cuidado com a vaidade

A vaidade é uma brecha moral que infelicita bastante a humanidade.

A luta por posições de realce ocupa muito tempo das criaturas.

Mesmo quem não tem vocação para encargos elevados, frequentemente procura-os.

E não o faz por espírito de serviço, mas para aparecer.

Valoriza-se muito a vitória aparente no mundo, mesmo quando conquistada à custa da própria paz.

Mas será que isso compensa?

Não valerá mais a pena viver humildemente, mas com dignidade?

Ocupar postos de destaque traz grande responsabilidade.

Para quem não está preparado, a derrocada moral pode ser grande.

Satisfazer a vaidade é um grande perigo.

A tentação de evidenciar a própria grandeza pode fazer um homem cair no ridículo.

Há pouca coisa mais lamentável do que alguém despreparado a desempenhar um grande papel.

A ausência de discernimento pode levar a ver virtudes onde elas não existem. A aceitar conselhos de quem não merece confiança. A tomar decisões sob falsas perspetivas.

A vaidade manifesta-se sob muitas formas. Está presente na vontade de dizer sempre a última palavra.

Por relevante que seja o argumento do outro, o vaidoso não consegue dar-lhe o devido valor.

Imagina que, se o fizer, diminuirá o seu próprio brilho.

O vaidoso tem dificuldade em admitir quando erra, mesmo sendo isso evidente.

Ele não consegue perceber a grandeza que existe em admitir um equívoco. Que é mais louvável retificar o próprio caminho do que persistir no erro.

A vaidade também dificulta o processo de perdoar.

O vaidoso considera a própria personalidade muito importante.

Por isso, todas as ofensas que lhe são dirigidas são gravíssimas.

Já os prejuízos que causa aos outros são sempre pequenos.

Afinal, considera o próximo invariavelmente mais insignificante do que ele próprio.

A criatura acometida de vaidade dá a si próprio uma importância desmedida. Imagina que os outros gastam horas refletindo sobre os seus feitos.

Por conta disso, sente-se compelida a parecer cada vez mais evidente.

Como todos os vícios morais, a vaidade impede uma apreciação precisa da realidade.

Quem tem este defeito não percebe que apenas se complica ao cultivá-lo. Que seria muito mais feliz ao viver com simplicidade.

Que ninguém se preocupa muito com a sua pessoa e com a sua pretensa importância.

Que, ao tentar brilhar cada vez mais, frequentemente cai no ridículo e torna-se alvo de chacota.

Analise o seu caráter e reflita se não possui excesso de vaidade.

Você reconhece facilmente os seus erros?

Elogia as virtudes e os sucessos alheios?

Quando se filia a uma causa, fá-lo por ideal ou para aparecer?

Admite quando a razão está do lado dos outros?

Caso se reconheça vaidoso, tome cuidado com os seus atos.

Esforce-se por perceber o seu real papel no mundo.

Reflita que a vaidade é um peso a ser carregado ao longo do tempo.

Simplifique a sua vida, valorize os outros, admita os próprios equívocos.

Ao abrir mão da vaidade, o seu viver tornar-se-á muito mais leve e cheio de prazer.”

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Como escolhemos viver nossa interdependência


Normalmente, acreditamos que precisamos de tantas condições e coisas para sermos felizes. Talvez, no entanto, na verdade seja muito simples. Isso repentinamente surgiu para mim um dia em que estava dando uma volta no monastério. Era uma dia agradável e havia uma brisa suave. Isso disparou em minha mente a atenção à minha respiração.
Tornei-me consciente desses simples fatos: eu estava respirando, e isso não era algo que dependia apenas de mim. Dependia da presença de oxigênio no ar — e mil etapas anteriores tiveram que acontecer para que o oxigênio estivesse lá para mim quando eu precisasse de cada respiração.
Fui atingido por um completo maravilhamento com esse pensamento. Eu sabia que não poderia produzir oxigênio por mim mesmo. Ainda assim, minha própria sobrevivência dependia de ele estar disponível para mim a cada respiração. Já respirei incontáveis vezes, e se em apenas uma delas não houvesse oxigênio, minha vida poderia ter terminado. No entanto, ali ele estava e sempre esteve. Isso me preencheu com um senso de bem-estar completo.
As coisas mais ordinárias podem ser tão maravilhosas. Nós quase nunca voltamos nossa atenção para as condições básicas de nossa própria existência, mas elas estão constantemente presentes e gratuitamente disponíveis. Apenas lembrar disso a qualquer momento pode trazer de volta o sentimento de alegria que senti ali.
Não precisamos comprar ou possuir nada para sermos felizes. A qualquer momento, podemos acessar esse sentimento de alegria. A mesma interdependência que faz nosso consumismo ser tão destrutivo para o ambiente, também pode fazer o ambiente natural ser uma fonte de alegria e maravilhamento constante para nós, sem precisarmos de nada mais que uma lufada de ar. Depende apenas de como escolhemos viver nossa interdependência.
Imagino que no final tudo se resume à nossa atitude. No momento em que paramos de permitir que a cobiça nos faça correr atrás daquilo que não temos, e de tomar como garantido o que já temos, podemos ter um profundo e pleno sentimento de apreciação. Nós realmente já temos tudo que precisamos. A inesgotável prosperidade do contentamento está ali esperando. Podemos encontrar felicidade ilimitada simplesmente respirando.
 
Trechos budistas 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Sabe onde esconderam a felicidade?

Um dia reuniram-se vários duendes para fazer uma travessura aos humanos.
Um deles disse: - Vamos roubar-lhes algo, mas o que vamos roubar?
Depois de muito pensar um duende gritou: - Já sei! Vamos roubar-lhes a felicidade, porém o problema vai ser onde a esconder para que ninguém a possa descobrir.
O primeiro propôs: - Vamos escondê-la no alto da montanha mais alta do mundo", e imediatamente retrucou o outro: Não, recorda que eles conhecem a força e algum dia alguém poderá subir e encontrá-la, e quando um a encontrar, já todos saberão onde ela está.
Logo em seguida propôs o outro: - Então vamos a ocultá-la no fundo do mar, e outro contestou: Não, recorda que eles possuem curiosidade, algum dia alguém construirá algum aparelho para poder descer e assim a encontrará.
Outro mais gritou: - Vamos escondê-la num planeta bem longe da Terra.
E responderam: - Não, recorda que eles têm inteligência, e um dia alguém vai construir uma nave para poder viajar a outros planetas e assim vai descobrir, e todos voltarão a possuir a felicidade.
 
O último deles era um duende que tinha permanecido em silêncio a ouvir atentamente cada uma das propostas dos demais. Analisou cada uma e disse: - Creio saber onde a colocar para que realmente nunca a encontrem.
Todos se viraram admirados e perguntaram: - Aonde?
O duende respondeu: - Vamos escondê-la dentro deles mesmos. Estarão tão ocupados a procurar fora, que nunca a encontrarão…
 
E termino com a epígrafe da semana que resume a metáfora e ajuda a pensar: Encontra um lugar interior onde haja alegria, porque a alegria apagará a tua dor! (Joseph Campbell - 1904 /1987, estudioso norte-americano de mitologia e religião comparada.)
 
Maria Luísa Albuquerque
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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Testar a prática
 
Não basta para nós cultivar uma mente de amor e compaixão e algum tipo de estado meditativo enquanto estamos seguros em nossas salas de meditação. Somente isso não vai remediar nossas aflições: precisamos continuamente cultivar uma mente imbuída de Darma.
Principalmente quando nossa mente é perturbada: o Darma precisa vir à cena, não importa onde estejamos — no trabalho, interagindo com a família e amigos etc. É nessas situações que o poder de nossa prática do Darma e de nossas aspirações deve se tornar evidente. Se isso não acontecer, ser capaz de recitar e meditar em nossas salas de meditação não é suficiente, porque esse tipo de prática do Darma não tem utilidade para ajudar os outros.
Nosso treinamento é similar ao dos guerreiros. Treinar um soldado é muito caro e envolve anos de aprendizado intenso, sendo que o propósito é derrotar o inimigo em uma batalha de verdade. Se os guerreiros são bem-sucedidos, então todo o treinamento e sacrifício valerão a pena; se não, foi tudo um desperdício.
Praticantes também estão se preparando para a batalha com seu inimigo, as aflições. Quando nos sentimos bem em circunstâncias ideais, nossa competência em lutar com as aflições não é realmente testada. Não podemos dizer se o Darma se tornou um medicamento ou não.

A coragem e o poder do Darma devem surgir em situações de crise e perturbação mental. Isso é crucial.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Um dia isto tinha que acontecer - Mia Couto

Notícia criada em 2013-10-21
 

 
Um dia isto tinha que acontecer - Mia Couto
Um dia isto tinha que acontecer Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida. Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações. A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor. Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes. Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou. Foi então que os pais ficaram à rasca. Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado. Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais. São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração. São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas. Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados. Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere. Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam. Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras. Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável. Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada. Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio. Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração? Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos! Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós). Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida. E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca. Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens. Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles. Haverá mais triste prova do nosso falhanço? Mia Couto